Enchente de São Luiz do Paraitinga
Eucalipto: o verde enganador
quarta-feira, setembro 9, 2009
By as-pta
Reflexões sobre o avanço
irrefreado da monocultura do eucalipto e os imensuráveis impactos ambientais e
sociais dele defluentes – por Wagner Giron de la Torre , Defensor Público/SP –
enviado por Vicente De Moraes Cioffi
“A 1a Câmara Ambiental do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo acolheu recurso interposto pela Defensoria Pública Estadual e,
reconhecendo os severos impactos sociais e ambientais no município de São Luiz
do Paraitinga-SP, determinou a suspensão de todo e qualquer plantio do
eucalipto na região até a feitura pelas empresas VCP e Suzano de Estudos de
Impacto Ambiental – EIA/RIMA, devidamente guarnecidos com audiências públicas
junto às populações locais”
As “belas” imagens elaboradas em meio ao enredo de uma
recente novela “das oito”, veiculada pela maior emissora de televisão do país,
que procurou infundir à grande audiência vitimada pela falta de acesso a canais
alternativos de informação, a ideia do quão “maravilhoso” é o mundo recoberto
por vastas e verdejantes plantações de eucaliptos, podem ser retidas como
exemplo seguro deste tempo tão acrítico, marcado pela deificação do consumo.
Chegou-se ao cúmulo de inserirem cenas na sobredita novela
global em que atores, saltitando alegremente no meio de bosquetes de eucalipto,
deitavam cantilenas a respeito da falsa imagem da convivência harmônica do
clonado eucaliptal e os seres silvestres. Dizem que até cantarolar de pássaros
e a presença de outros bichinhos mostrou-se em meio à vastidão da monocultura
representada na trama novelesca.
Ainda na vereda de refletir-se sobre as imagens construídas
pela grande mídia empresarial no afã de sedimentar na consciência nacional a
sacralidade da tríade monocultura-agronegócio-biotecnologia, nos deparamos, em
meados de janeiro deste ano, com a notícia, mui comemorada nos escaninhos
empresariais, de que, após meses de tentativas, finalmente o Grupo Votorantim,
que ostenta entre seus quadrantes a empresa Votorantim Celulose e Papel,
doravante nominada como VCP, conseguiu, com o auxílio luxuoso do BNDES – Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, arrematar o controle da empresa
Aracruz Celulose, com a observação de que os aportes de recursos públicos
injetados na operação chegaram a casa (note-se bem, nestes tempos de crise
global) dos R$ 2,4 bilhões. O BNDES, segundo as notícias, já era detentor de R$
2 bilhões em ações junto a Aracruz.i Tudo muito limpo. Tudo muito moderno. Tudo
muito globalizado e politicamente correto nestes tempos, como acima sublinhado,
em que a imagem comprada na mídia pesa mais do que quaisquer outros valores,
até mesmo sobre a dignidade humana, tantas vezes trucidada no obscurantismo da
pátria real, bem distante dos interesses veiculados por nossos maravilhosos
veículos de mídia.
Mas, para a grande maioria da população, avulta escamoteada
por essas imagens e representações orquestradas pela grande mídia uma triste
realidade: a de que essas empresas do setor de papel e celulose, responsáveis
pela expansão, em larga escala, do eucalipto em várias regiões do país, vêm
sendo questionadas pelos movimentos populares como uma das principais
causadoras de desastres ambientais e sociais incomensuráveis, motivadores de
êxodos rurais e espoliações de terras indígenas e pelo estrangulamento e
paulatina aniquilação de modos tradicionais de produção rural, como a
agricultura familiar, pois, ao contrário das imagens construídas pela mídia, as
plantações mercantis de eucalipto – como toda e qualquer monocultura semeada
nas artificialidades dos laboratórios das grandes corporações – não interage
com a natureza. Nelas não há possibilidade alguma de existir vida
diversificada, intercâmbio biológico, cadeia alimentar e condições naturais que
permitam a sobrevivência, até mesmo, do mais rasteiro dos insetos.
Dessa realidade estéril é que resulta o conceito – tão bem
lapidado ao tema – do DESERTO VERDE, concebido pela população rural afligida
por seus negativos impactos.ii Sobre o mote, é sempre válido trazer à baila o
depoimento do biólogo Elbano Paschoal, que acompanhou o drama da devastação
ambiental, gerada pela monocultura do eucalipto, no sul da Bahia: “O
desprezo e crueldade dispensados à fauna silvestre pelos promotores da
monocultura de eucalipto, utilizando totalmente tabuleiros e terras planas,
deixando apenas alguns grotões (ilhas de áreas íngremes) para ‘refúgio’ da
fauna silvestre são estarrecedores. Muitas espécies não vivem (não estão
adaptadas) em áreas com relevo acidentado, e estão sendo localmente extintas,
especialmente as espécies endêmicas e raras. Além do mais, não há conectividade
entre as ilhas de vegetação (nativa) imersas no mar de eucalipto. O eucaliptal
não representa um corredor ecológico pleno, pois sabemos nós, ambientalistas,
cientistas, empresários, técnicos do governo, etc., que inúmeras espécies não
atravessam, muito menos utilizam o eucaliptal. Algumas espécies, mesmo as aves,
cuja capacidade de deslocamento é maior que a de outras, sequer atravessam uma
estrada aberta num ambiente natural”.iii
Note-se: estamos a refletir não sobre meia dúzia de árvores
exóticas, e sim sobre milhões e milhões de hectares recobertos por eucaliptos,
para fins exclusivamente mercantis, fomentados pelas sobreditas empresas de
celulose em várias regiões do país: sobre o já desertificado sul da Bahia,
sobre o devastado norte do Espírito Santo, norte de Minas, região dos pampas
gaúcho e sobre o Vale do Paraíba, em São Paulo , onde só a VCP detém mais de 259
fazendas recobertas por eucaliptos em mais de 35 municípios, com o
estratosférico potencial de corte de 2.500.000 m3 de
toretes por ano iv.
Nessa escala vertiginosa da monocultura, os impactos sociais
e ambientais são incomensuráveis, até porquê a pesada e custosa estrutura
fiscalizatória governamental (Ministérios Públicos Estaduais e Federais, DPRN,
IBAMA, Polícias Ambientais, etc.) tem se mostrado inativa na vigilância e
repressão a essas transgressões ambientais todas. Segundo relatos formulados
pela FASE/ES e constantes da CPI da Aracruz, desenvolvida na Assembléia
Legislativa do Espírito Santo em 2002, a tão festejada agroindústria da celulose
recobriu territórios originalmente ornados pela Mata Atlântica, tida pelo
próprio texto constitucional como patrimônio nacional em função de sua riqueza
em biodiversidadev, por vastos plantios de eucalipto com o escopo único de
fomentar a indústria de celulose, reduzindo a cobertura vegetal natural no
Espírito Santo, que era de 4 milhões de hectares em 1990 (cerca de 86,88% da
área do Estado) para escassos 402.392 hectares (8,34% do território
estadual). Em outras palavras, a sacrossanta Aracruz substituiu, guiada por
objetivos meramente mercantis, a maior biodiversidade do mundo pela estéril e
exótica monocultura. Para tanto ocupou terras indígenas, poluiu o meio
ambiente, insuflou o desemprego e êxodo rurais e instaurou um crescente
processo de desertificação no norte do Estado, cuja devastação social pode ser
constatada pelos depoimentos constantes da aludida CPI que, pelo fragor das
notícias veiculadas pela grande mídia, parece ter resultado em absolutamente
nada.
O avanço desenfreado dessa monocultura no Sul da Bahia e
norte de Minas, segundo informes de geógrafo da universidade de São Paulo, já
fez secar mais de 4 mil nascentes do Rio São Franciscovi, e só agora, após
décadas de denúncias pelos movimentos sociais, é que a empresa Veracel
Celulose, pertencente a Aracruz, foi condenada, em primeira instância da
Justiça Federal, pela devastação da Mata Atlântica no sul da Bahia. vii
Os perversos impactos sociais e ambientais derivados da
expansão dessa monocultura já estão sendo debatidos no âmbito do Tribunal de
Justiça em São Paulo
pela Defensoria Pública Regional de Taubaté-SP, que a pedido dos movimentos
populares de defesa dos direitos dos pequenos agricultores de São Luiz do
Paraitinga-SP o MDPA, ajuizou Ação Civil Pública nesse municípioviii, já
absorvido pelo questionado cultivo em cerca de 20% de seu território quando,
sabemos, os índices máximos tolerados pelos parâmetros de zoneamento
agroflorestal traçados por normas expedidas pela OMS e por estudiosos no
assunto, não suplanta a faixa de segurança de 5% dos territórios agricultáveis
em cada município, sob pena de inviabilizar-se a concretização do tão propalado
desenvolvimento sustentável e assegurar-se a preservação dos recursos naturais
e áreas destinadas ao cultivo de alimentos.
Para alcançarem esse nível estratosférico de expansão, os
expertos cientistas a serviço da florescente e rica indústria papeleira, desenvolveram
mudas de eucalipto caracterizadas pelo hibridismo e pela clonagem, com níveis
baixíssimos da substância conhecida como lignina (que serve para emprestar
tessitura e consistência ao enfeixamento fibroso de qualquer madeira),
permitindo um crescimento recorde dessas imensas árvores (em média, 6 anos para
o primeiro corte) bem assim facilitando o processo industrial do branqueamento
da massa de celulose e evitando, com isso, o anticomercial efeito do
amarelecimento precoce do papel posto no mercado de consumo.
Afora o intenso processo químico historicamente utilizado na
produção industrial do papel, as empresas fomentadoras desses cultivos – seja
em terras próprias ou arrendadas – necessitam infestar o solo destinado à
instalação da monocultura do eucalipto com toneladas e toneladas de pesticidas
à base de glifosato (dentre outras tantas pestilências químicas), geralmente
manejado com a aplicação do conhecido herbicida Round’up, da Monsanto, a fim de
eliminar a presença de formigas (sic) e outros elementos naturais
potencialmente nocivos ao esperado desenvolvimento das clonadas mudinhas, em
processo tecnicamente conhecido como capina química.
Por influxo direto do engenho e arte dos cientistas a
serviço dessas portentosas empreendedoras, e para a felicidade dos gestores e
acionistas das companhias em referência, as mudas dos eucaliptos, a priori
concebidas em laboratórios, são imunes aos efeitos químicos do glifosato, não
sentem sua acidez, nem sua efervescência, nem qualquer atributo lesivo passível
de contaminação desse devastador componente químico. Mas a natureza não passa
incólume a tanta desgraça! [Ob.: o eucalipto transgênico Roundup Ready,
resistente a herbicidas à base de glifosato, não está autorizado para plantio
comercial]
Numa região caracterizada, geograficamente, como sendo um
mar de morros, hoje vislumbramos um vasto mar verde, mar de eucalipto, mar
morto. Segundo declarações do campesinato local, em meio à insana expansão em
escala industrial dessa monocultura, seus empreendedores não respeitam norma
ambiental alguma, investem sobre cumes de morros, violam áreas de nascentes,
irrompem em várzeas e aniquilam matas ciliares, intoxicando cursos d’água, rios
e provocando a morte de incontáveis espécies da fauna local.
O zoneamento ambiental erigido em meio ao Código Florestal
para fins de proteção das APPs – Áreas de Preservação Permanente – é
copiosamente ignorado pelas empresas responsáveis por essa escalada absurda do
cultivo nocivo dessas plantas exóticas, posto que implementam o plantio de eucaliptos
em vilipêndio às distâncias mínimas demarcadas pelo artigo 2o da Lei Federal no
4.771/65.
Pela lógica informadora das forças gravitacionais, auxiliada
com o adorno dos ventos e ocorrências de chuva, grande parte das toneladas e
toneladas dos materiais químicos utilizados no manejo da monocultura acaba
atingindo as nascentes, cursos d’água, córregos, rios, contaminando pessoas,
animais, pastagens, enfim, dando causa a um desastre ambiental ainda não
devidamente mensurado, isso para não se falar do esgotamento de poços, minas
d’água e demais corpos hídricos em função do enorme poder de sucção do
eucalipto, responsável pelo abandono de inúmeras posses rurais pelos
agricultores afligidos com o ressecamento de suas fontes de água.
Afora isso, a formação de enormes latifúndios recobertos
pelo exótico cultivo acaba aniquilando a diversidade cultural das localidades
campesinas, inviabilizando o desenvolvimento da agricultura familiar, da
pequena pecuária que há séculos eram implementadas pelas populações locais
vitimadas pela escala hipertrófica da monocultura, fazendo com que se extinguam
manifestações culturais tradicionais como festejos populares, atos devocionais
emanados de lugares tidos como sagrados pela população originária, agora
suprimidos pelos grandes latifúndios do eucalipto, consumando tudo de ruim que
se possa perceber numa região já assolada pelo avanço da monocultura.
Tal qual a certeira interpretação tecida em obra fundamental
pelo Prof. Carlos Walter Porto-Gonçalves, embora seja um dos pilares de
sustentação da moderna agricultura capitalista “a monocultura revela, desde
o início, que é uma prática que não visa satisfazer as necessidades das regiões
e dos povos que produzem. A monocultura é uma técnica que em si mesma traz uma
dimensão política, na medida em que só tem sentido se é uma produção que não é
feita para satisfazer quem produz. Só um raciocínio logicamente absurdo de um
ponto de vista ambiental, mas que se tornou natural, admite fazer a cultura de
uma só coisa“.ix
E todos esses questionamentos deram conteúdo à referida Ação
Civil Pública, cujas provas, de tão consistentes, alicerçaram uma vitória
inédita para o movimento social que vive a suscitar o debate atreito aos
efeitos da expansão, sem limites, das monoculturas no país: é que a 1a Câmara
Ambiental do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acolheu recurso
interposto pela Defensoria Pública Estadual e, reconhecendo os severos impactos
sociais e ambientais no município de São Luiz do Paraitinga-SP, determinou a
suspensão de todo e qualquer plantio do eucalipto na região até a feitura pelas
empresas VCP e Suzano de Estudos de Impacto Ambiental – EIA/RIMA, devidamente
guarnecidos com audiências públicas junto às populações locais.x
Outra decisão relevante sobre o tema foi proferida pela
Juíza Federal Clarides Rahmeier na Ação Civil Pública n. 006.71.00.011310-0, da
Vara Ambiental de Porto Alegre que, a pedido de entidades ambientais,
determinou a suspensão de publicidade oficial, promovida pelo governo do Rio
Grande do Sul, reputada enganosa porque só externava aspectos positivos do
programa estatal de fomento à monocultura naquele Estado sem divulgar ao
público as fundadas questões atreitas aos danos ambientais e sociais
experimentados pela população vitimada pela expansão, em altíssima escala, do
polêmico cultivo.
Como se percebe, os questionamentos que cingem o modelo
agroindustrial encetado ao país pela elite dirigente são consistentes, exigindo
um debate mais aprofundado para que a sociedade tenha acesso a informações mais
completas a respeito dos imensuráveis impactos desse modelo de produção nos
recursos naturais e seus reflexos junto às populações vitimadas.
O que choca, pela menos àqueles que detêm uma consciência
mais aguda sobre essa realidade circundante, e que os veículos da grande mídia
insistem em sonegar, é o absurdo investimento de recursos públicos a insuflar
uma atividade submetida a tantas e severas denúncias de degradação. A atuação
do BNDES no fomento à expansão de tão danosa monocultura afronta preceitos legais
enfeixados no acervo normativo voltado, teoricamente, à tutela do meio
ambiente, em especial, ao que preconiza o artigo 14 da Lei Federal n. 6.938/81,
instituidora da tão ignorada Política Nacional do Meio Ambiente, que é expresso
ao determinar a perda e restrição imediata de quaisquer subsídios públicos à
atividades danosas ao meio ambiente. O verde que recobre a agroindústria, como
vemos, é enganador. As vastas plantações de eucalipto não são florestas, não se
prestam a restaurar as infindáveis áreas de matas nativas suprimidas por esse
insano modelo econômico e não geram nem a décima parte da oferta de empregos
bradada por seus empreendedores. O que especialmente por parte dos integrantes
dos movimentos sociais que fica,vivem a denunciar essa série sem precedentes de
devastações, é a espera do momento em que órgãos fiscalizatórios, como o
Ministério Público Federal, iniciem a necessária repressão sobre esses gastos
desarrazoados de dinheiro público em atividades notoriamente degradantes. Se
isso um dia se consumar, espera-se, não seja tarde demais.
WAGNER GIRON DE LA TORRE , é Defensor Público no Estado de
São Paulo e Coordenador da Defensoria Regional de Taubaté.
notas:
i
“O Estado de São Paulo” 21.01.2009, p. B1. Também na UOL de
20.12009.
ii
Como observado pelo consultor legislativo Maurício Boratto
Viana em estudo técnico feito no âmbito
do Congresso Nacional em abril de 2004, intitulado
“Eucalipto e os efeitos ambientais do seu plantio em
larga escala”:”a ausência ou pouca diversidade de espécies
animais em reflorestamentos de eucalipto
parece ser a mais inquestionável de todas as críticas que se
fazem a eles”.
iii
Fonte: depoimento do biólogo Elbano Paschoal, inserido na
web pelo grupo ambientalista GAMBA.
iv
Fonte processo certificação ambiental, confeccionado pela
consultoria SCS – Scientific Certification
Systems, fornecido pela própria VCP em seu site – 2007.
v
Art. 225, inciso VII, §4o da Constituição Federal.
vi
“Nascentes e matas do rio S. Francisco”-ECO agência
solidária de notícias ambientais, web em 16.7.07.
vii
Brasil de Fato, Ed. N. 285 de 14 a 20 de agosto de 2008, p.
4.
viii
ACP processo no593/07 da comarca de S. Luiz do Paraitinga-SP
ix
“A globalização da Natureza”, 2006, p. 28.
x
Recurso de agravo de instrumento n. 759.170-5/3-00 TJSP de 28.8.08.
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