Naqueles tempos os invernos eram pra valer...

Naqueles tempos os invernos eram pra valer...

Chegou o inverno, pelo menos foi o que notei na noite passada, fez bastante frio e chuva e fez é claro lembrar os invernos do passado. Eram muito mais rigorosos no mês de maio já se prenunciava a estação, havia uma garoa incomodativa e muito vento.  Morávamos em um local muito alto nas faldas da Serra da Mantiqueira, que concorria para os rigores desta estação, era bem friorento. Já de madrugada cobertores “tomara que amanheça” não amenizavam o frio da manhã e o jeito era ir pro fogão de lenha, minha mãe já havia se levantado fazer café pro meu pai que ia pra ordenha do gado muito cedo, muito antes do sol nascer.

Falava-se em esquentar fogo, mas na realidade era o contrário quem se aquecia era a gente. Meu pai precisava ordenhar as vacas e não conseguia sem os imprescindíveis bezerros novos, era necessário a sua concorrência, pois sem os mesmo as vacas não desciam o leite, para a necessária ordenha. Hoje penso que com o concurso das máquinas ordenhadeiras, isto não se faz necessário. Mas naquela época nada ou quase nada era mecanizado no sítio. Tudo era conseguido através do trabalho braçal, da velha enxada, do machado e dos músculos humanos.

Era a hora que meu pai precisava de mim para buscar os bezerros que estavam desguaritados nos pastos. Com o frio muito forte e a cerração eles procuravam se reunir em grupos e ficavam embaixo de arvores meio escondidos. A neblina atrapalhava a visão, de maneira que era difícil caminhar nos pastos muito molhados pelo orvalho e a geada. Os pés descalços do menino aquecidos pelo lume do fogão agora eram esfriados violentamente pelo frio e geada, de maneira que ficavam vermelhos e insensíveis parecendo que anestesiados, quando encontravam os bezerros fujões.

Era minha tarefa pela manhã, bastante árdua, diga-se de passagem, mas necessária para a ordenha. Com isso adquiri um reumatismo que custou curar e que me acometeu várias vezes. De maneira que a vida rural naquele tempo era dura e sacrificada, mas compensada pelo ar puro, pela liberdade que ela oferecia e pelos quitutes de minha mãe: Eram deliciosos, doces de coco, paçoca, doce de leite, frango no forno à lenha e muitos outros quitutes do “bico da orelha”, como se dizia na época. Minha mãe costumava dizer e com razão que a noite no inverno durava um ano e o dia era um palmo de tão pequeno, que não era suficiente para as tarefas cotidianas. Tudo era artesanal: Se queria paçoca de amendoim, esta era feita no pilão.

Objeto feito de troncos de arvores ocos por dentro em que se ia socando o ingrediente que se queria preparar, se paçoca, então era o amendoim, a rapadura e a farinha, se o arroz, então ia socando até o mesmo ir perdendo toda a palha que ia sendo retirada, até obter o cereal bem limpinho, para canjica o milho que seria socado. Tudo dava trabalho braçal quase nada se comprava, tudo era preparado em casa. Comércio pouco existia, bons tempos! Se havia era de fazendas, digo tecidos para roupas que na maioria das vezes eram confeccionadas em casa mesmo. Precisava-se de alguma coisa, então o sal vinha da cidade, ou então alguma iguaria diferente, mas pouca coisa. Mas o campo sempre foi importante e imprescindível até hoje, apesar da agroindústria. A ponto de o grande sábio Cícero afirmar: “Se queimarem as cidades, os campos sobreviverão, mas queimem os campos as cidades perecerão”.  Citação de Marco Túlio Cícero – 106 AC a 43 AC. Filósofo, escritor, orador e político romano.
                

Comentários

Unknown disse…
Meu amor vc é um ótimo cronista. Sabe usar adequadamente as palavras, dando enfase às situações tornando-as convidativas e reais.
Meu amor que alegria ver uma observação sua aqui, agora já sendo minha esposinha. Suas observações são muito adequadas como escreve, obrigado por elogiar a forma como escrevo. Vou procurar até melhorar
mais pra vc. Obrigado esposa adorada!

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