Do meu sertão não posso esquecer...


Quando nasci ouvia muitas histórias principalmente de minha mãe, uma delas começava assim: "Eu sou aquele boizinho que nasci no mês de maio, desde que vim ao mundo foi só pra sofrer trabalho". Vivíamos na roça, hoje se  fala "fazenda", mas naquela época era roça mesmo.

Não tinha os melhoramentos de hoje, ou seja, eletricidade, tratores, geladeiras, fogão a gás, micro ondas, nada disso.Tudo era feito como se diz no "trabalho braçal", A enxada era o principal instrumento da agricultura familiar e rudimentar. O roceiro mourejava no eito de sol a sol e dependia da força do seu braço para manejar a enxada e tinha de ser "sacudido" por que do contrário não dava conta da empreitada: Tarefa  esta que ele começava de madrugadinha assim que dava para ver roça e o mato.

Geralmente tinha que se terminar cedo por causa do sol inclemente, após a tarefa o lavrador como era chamado limpava muito bem sua enxada, para deixá-la preparada para o dia seguinte. O trabalho era árduo e a remuneração pequena. Pois uma empreitada dava o suficiente para a alimentação do dia e chamava-se "jornal", não confundir com jornais comprados em bancas de hoje. A indumentária era rústica e bem resistente pois os espinhos e urzes encontrados no roçado eram constantes, além das cobras, claro. Os acidentes com animais peçonhentos eram uma constante. O que causava baixas frequentes entre os lavradores. Havia até uns versos que assim dizia: "Coitadinho do roceiro todo sujo e esfarrapado, mas com um pouquinho de dinheiro ele compra um bom riscado" O riscado devia ser um brim bem forte que geralmente era escuro com riscas brancas, que defendiam o roceiro dos espinhos e das cobras. Se a gente ler o Jeca Tatu do imortal escritor Monteiro Lobato, podemos ter uma ideia exata do que era o agricultor daqueles tempos. 

Então tudo o que disse foi para justificar aquele versos que coloquei no início do meu relato. Mas nem tudo era Tristeza do Jeca, haviam as festas, a do Divino era a mais badalada, os festejos duravam uma semana  E o povo comia de graça na casa da festa. Havia também doces e bombocados. Havia os namoros que eram muito interessantes, pois na praça central da cidade havia o jardim em que se reuniam os namorados, mas de uma forma diferente e pitoresca. 

Os homens circulavam em torno da praça pelo lado de fora e as moças e moçoilas adolescentes circulavam pelo lado de dentro e contrário, quando uma garota gostava de um rapaz ela olhava e piscava, o rapaz sabia que ela estava dando "bola", ou seja querendo namorar, então convidava a moça para circularem juntos pelo jardim e claro o papo rolava e daí podia sair um namoro.  Os namoros eram sérios e muitos acabavam terminando em casamento. Os homens tinham sua faina rural e tinham que se casar para ter filhos e ajudá-lo na sua lavoura. As mulheres passavam o tempo preparando o seu enxoval para casar. 

O casamento era abençoado e tinha um objetivo único a procriação. Mas isso não quer dizer que o amor não existia ele era cantado em prosa e verso. "Menina linda do meu bem querer como é triste a saudade longe de você". "Eu subi ao alto da serra só pra ver o sol nascer, avistei o ranchinho que era pra nós dois viver até chorei de "sodade" "alembrando" de você" O linguajar do caboclo era simples e direto, não havia frescuras e nem fingimentos, se gostava de alguma moça tinha que ir ao seu pai pedir a sua mão em casamento. Se o caboclo fosse trabalhador e soubesse empunhar o "cabo seco", a enxada, geralmente o pai aceitava, pois sabia que sua filha não passaria fome. Mas caboclo malandro não tinha vez não. E a festa rolava solta: Tinha afogado, uma iguaria preparada com carne de boi que se cozinhava num grande tacho com o osso e tudo, não se separava o tipo de carne, geralmente era uma espécie de caldo,  que se apreciava com arroz e farinha de mandioca. Mas o tempo rodou e não esperou mais... o agricultor com sua enxada a mourejar, veio os tempos modernos pra roça também. 

Os fazendeiros queriam estudar os seus filhos e começaram a olhar pra cidade, que geralmente era pequena com iluminação feérica, mas que não ofendiam a visão e as estrelas ainda podiam ser vistas. Aí meu pai que tinha relativamente prosperado nesta faina, resolveu que deveríamos ir pra cidade. Juntamos nossas poucas tralhas colocamos as mesmas em cima de nossos cavalos e rumamos pra outros destinos. Mas eu que vi tudo isto acontecer, choro hoje de saudade, quando deixei a casinha branca da serra, muito bonita no outeiro, viu-nos pela ultima vez e na ultima curva da estrada, do caminho eu e minha mãe pra casinha olhamos e com infinita saudade ficamos e nos despedimos pela ultima vez do sertão que nos acolheu e nos criou. Hoje aqui na cidade com este luar tão escuro sem aquela saudade do Luar do Sertão. Só me consola a minha namorada, que é uma cabocla mineira das Gerais. 

Local que eu não esqueço jamais, Pois se o sertão mora em meu coração, não estou ausente de minha felicidade. Pois esta cabocla me anima a vida a continuar buscando a felicidade que um dia deixei. E então canto aquela quadrinha do Tonico e Tinoco que foram dois caboclos muito bons cantores que cantavam assim: "Do meu sertão não posso esquecer como é linda a madrugada vendo o dia amanhecer".  

Aqui se despede este caboclo apaixonado pela vida. Não sou mais aquele "boizinho", pois meu destino foi bem melhor, pois então não estaria tão contente de viver tão movimentada vida. E nunca deixe de maravilhar-se frente aos mistérios e belezas da vida, pois as dificuldades são para fazer a gente progredir. Se não estou mais no sertão, porque também ele não mais existe. A vida é aqui na cidade, e temos que fazer esta valer e ser bonita e digna de ser vivida. O importante não são as posses do homem. Pois o dinheiro pode ser comido pela traças,  Como afirmou Cristo em suas pregações: "Não acumulais tesouros na terra, mas sim em vossos corações, pois estes são eternos. Jamais serão destruídos".

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