Sonata de Outono


Já se disse que a mente nunca está vazia, sempre pensamos em alguma coisa, ou algo nos aflige. A vida apresenta um desenvolvimento constante e contínuo do berço ao túmulo, nascemos frágeis, em tudo dependendo de nossa mãe, se não fosse o bendito seio materno, -Es bendita entre todas as mulheres, disse o anjo Gabriel, em sua saudação a Maria. Também chamada de Santa, porque de nossa mãe dependemos em tudo, fora da proteção do útero, necessitamos de cem por cento dos cuidados maternos. Mas vamos crescendo bem alimentados e cuidados a programação da natureza prossegue de vento em popa, em poucos anos tornamos-nos fortes e sadios, nem lembra mais o frágil garotinho ou garotinha que chorava fraquinho quando nasceu.

Agora é um garotão forte, corre pelas campinas forte e sadio, o oxigênio não lhe falta, pois é muito abundante onde esta hipotética criança mora, as campinas são verdejantes e o povo é forte e sadio. Já rapazinho ensaia suas primeiras aventuras, sobe em árvores, caça passarinhos em arapucas, faz perna de pau, joga bolinhas de gude, quando vai à escola brinca de ciranda com as meninas. Tem até seus primeiros amores, o seu coração tende para uma garota mais velha, mas outra gosta dele, a que tem olhos grandes e negros que parecem uma jaboticaba!

Briga com a professora, acaba sendo expulso da Escola, mas seu pai muito político ajeita as coisas e o menino que é bem "tinhosinho", leia-se teimoso, volta às lições e as aulas. Vai pra cidade, tem suas primeiras decepções amorosas e vê que o campo é melhor que a vida urbana, quando passa a morar nesta ultima. Mas a cidade é muito bucólica, parece-se com o campo, bastante tranquila e modorrenta. Até que um dia vai para uma urbe maior, onde tem automóveis, estradas asfaltadas, mas nada disso o impressiona, prefere mesmo o campo onde nasceu.

Vai para um colégio interno completar os estudos, onde tem suas primeiras impressões sexuais, tem desejos que lhe pulsam nas veias, mas sublimou-os, mergulhando nos livros de corpo e alma. Mas nunca esqueceu estes dias ditosos, quando por fim seu pai foi busca-lo no Colégio e o seu período de ginásio estava chegando ao fim. Em sequência veio o Colegial, naquela época só havia duas opções de estudo ou se era médico ou então engenheiro, sem nenhuma outra opção, fui ser médico, mas esta é uma outra história.

Na vida existem gargalos ou passagens estreitas, que para transpô-las exige muito sofrimento e dedicação à causa que abraçamos, um destes gargalos do crescimento sem dúvida é a Faculdade, muitas vezes longe dos pais enfrentamos a solidão, longe dos amigos e das pessoas que gosta em cidades estranhas passamos longos anos da nossa existência, tornamos-nos carentes e muitas vezes vítimas de pessoas aproveitadoras. Essas coisas marcam a vida da gente deixando cicatrizes indeléveis que persistem pela vida afora, muitas destas passagens lembradas novamente causam novo sofrimento como se as tivéssemos vivendo de novo.

Mas destarte estas dificuldades me formei médico e exerci por longos anos a profissão. Era muito cuidadoso e me esforçava para acertar, fui bom médico e muito lutei persisti e venci. A luta foi árdua e prolongada e nem sempre valorizada. Mas agora cheguei ao fim da jornada aos 70 anos, agora pergunto e agora José? Que a festa acabou e o povo sumiu? Como faço? Devido a muitos esforços dispendidos em outras etapas da vida sinto que as forças estão exauridas e sinto-me numa encruzilhada, sempre fui aventureiro e de vez em quando o espírito de aventura me assalta, mas falta-me forças, a saúde já não é a mesma? Que fazer então?

Penso primeiro parar, pensar e analisar. Acho que é a primeira coisa a fazer e a direção a seguir deverá surgir. Nesta época de perplexidade, muitos caminhos se apresentam, mas a maioria são rotas furadas que a nenhum lugar levam, ou atalhos perigosos muitas vezes surgem, o cansaço acumulado pesa, foram longos anos a espera de um merecido descanso, mas a mente não quer isto. As aguas da mente se agitam, quer a juventude, mas estas como os sonhos desta mesma adorada juventude voaram pra longe, e aos corações cansados de guerra não voltam mais.

É preciso vislumbrar novos horizontes, novas perspectivas, temos experiências, os mais novos necessitam de nossas experiências acumuladas ao longo dos anos, então porque não partilha-lhas?, o que aprendi com as angustias de minha alma, com o meu sofrimento? O que muitas vezes a solidão me ensinou? Sabe-se que no barulho e no borborinho do dia a dia pouco se aprende, só o silêncio do nosso coração pode ensinar alguma coisa de válida a nossa mente.

A mente é agitada nunca para e só quer barulho, nunca paramos de pensar. Mas é no silêncio de nosso coração que brota a semente da bondade e do entendimento que vai alimentar nossa alma sedenta de justiça, de paz, de carinho. No silêncio de nossa alma é que brotam as sementes das arvores mais frondosas, pois hoje vemos aquele imenso carvalho onde cantam aves tagarelas se originou de uma minuscula semente? Que durante anos adormeceu no seio da terra, para transformar-se neste imenso vegetal? Se a mente não silenciar certamente a alma nada produzirá a não ser sons dissonantes. É no silêncio da mente que a alma encontra seu repouso e qual o lotus desabrochará para o infinito.

Agora o homem não pode mais olhar somente para a terra. Tem que olhar para a sua prole, para os seus descendentes, tem que avaliar a sua obra, que certamente foi boa, perfeita não, porque a perfeição não existe na terra. Mas humana, sofrida e principalmente feita com a maior das boas vontades e como o carvalho desabrochará para o céu e para o futuro sempre.

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